Por Ricardo Fenelon* e Laura Ribeiro*
Nas últimas semanas, diversos veículos de comunicação noticiaram a venda de uma aeronave executiva por um famoso cantor sertanejo a uma empresa investigada em uma operação policial. Muitas dessas matérias levantaram suspeitas sobre o fato de a empresa do cantor ter recebido pagamentos e ainda constar como proprietária da aeronave nas consultas aos sistemas da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC).
Embora as notícias envolvendo pessoas famosas ganhem grande repercussão, do ponto de vista estritamente do Direito Aeronáutico, operações com essas características são bastante comuns em transações que envolvem aeronaves.
Antes de explicar esse tipo de compra e venda, é importante lembrar que o setor aéreo é um dos mais regulados em qualquer país. No Brasil, a ANAC, por meio do Registro Aeronáutico Brasileiro (RAB), é responsável pelo controle de todas as informações referentes aos proprietários e operadores de aeronaves registradas no País. Funciona como um grande cartório dedicado exclusivamente a aeronaves.
De acordo com a Resolução ANAC nº 293/2013, toda transação envolvendo a propriedade ou o operador de uma aeronave deve ser devidamente informada ao RAB para ter validade. Nos últimos anos, o RAB passou por transformações significativas e, atualmente, diversos serviços são prestados online em questão de minutos.
Por meio do RAB Digital, por exemplo, é possível emitir uma certidão e verificar todo o histórico de uma aeronave. No caso em questão, envolvendo o famoso cantor, uma simples consulta pública aos sistemas da ANAC permite constatar que a aeronave foi vendida para outra empresa e que os documentos foram protocolados na ANAC meses antes de qualquer polêmica ou divulgação de operação policial. Há, no entanto, um detalhe bastante relevante que pode ter gerado dúvidas: os documentos indicam que a venda da aeronave foi realizada com reserva de domínio. Mas, afinal, o que isso realmente significa?
Muito comum em transações envolvendo aeronaves, que podem atingir valores elevados, a reserva de domínio, regulada pelos arts. 521 e seguintes do Código Civil, geralmente ocorre quando a compra da aeronave é feita de forma parcelada. Nessas situações, a posse da aeronave (ou seja, sua operação) pode ser transferida imediatamente ao comprador, ao passo que a legislação permite que o vendedor mantenha a propriedade do bem até que o pagamento seja realizado integralmente.
Um contrato como este é, essencialmente, uma venda a prazo, com o objetivo de trazer segurança jurídica e viabilizar a transação, permitindo que a posse do bem seja entregue antes da quitação total do preço. Esse formato protege o vendedor, que mantém a propriedade da aeronave até que o comprador cumpra integralmente suas obrigações.
Portanto, essa é a razão para, no caso da aeronave envolvendo o cantor sertanejo, o vendedor ainda constar no sistema da ANAC como o proprietário da aeronave, mesmo após ter supostamente recebido pagamentos do comprador. Do ponto de vista do Direito Aeronáutico, não há nada de irregular nos fatos mencionados acima.
*Ricardo Fenelon é ex-Diretor da ANAC e sócio do Fenelon Barretto Rost.
*Laura Ribeiro é advogada no Fenelon Barretto Rost e atua nas áreas de Contratos e Direito Societário. Possui MBA em Gestão de Negócios, Comércio e Operações Internacionais pela FIA Business School.
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